antes da lentidão das manhãs frias

havia a infiltração curvada pelas artérias ao sol : era uma adivinhação inerte que percorria o pulmão até ser flor. uma estação desarrumada pelos dedos-a-fora correndo em direção à boca

eu era a fractura do sangue imolado pelo teu beijo
e tu : a tremenda loucura que se acoplava ao estremecer da seiva


apareces-me [ : assim] na secura dos dedos aniquilando a boca ainda cheia

a gramática desinflama a matéria enxameada do corpo. são as palavras [ : agora] o meu sangue.
 e nada se compara ao lugar feito da violência da tua mão e por dentro do ar transparece a doçura de uma raiz enternecida enquanto me segredas madeiras orvalhadas na noite consumida

: entre os membros uma rotação devora profundamente a paisagem e a língua permanece a transbordar o mel e a flor e o aroma acende-te a carne pela terra adentro


enquanto o corpo espera a demora dos sentidos



[: penso] quantas horas de ontem quis eu que viesses e despisses o meu rosto nos teus olhos esquecidos de tempo : quantos lugares percorri eu na esperança de te encontrar mastigando palavras-estaca fincadas por dentro da língua
sabes? nunca foi de futuros o caminho que me faz a ti. nunca foi desses braços inquietos ou da boca que sonhei vencer no desespero consciente das manhãs em que o nome se debruçava sobre mim e o ar sufocava as artérias expulsas há muito do nascer dum novo coração

se me tocas : sou tua
e digo-te [:  que me tocas] e as palavras abandonam a carne para que chegues e me encontres por fabricar e sobejem em mim esses teus dedos que estalam o ar estancado a paisagem por dentro da minha aflição

e o lugar és tu [ : mesmo que seja a única palavra agora ardida da minha inocência]




 já não contenho o sopro arrancado ao ar para ser o sangue que tece todo o respirar deslocado dos meus dedos

fico: inteira e transparente. e há uma estrela despenhada da minha boca que percorre a própria dificuldade de inventar. antes, era força necessária existir um corpo e uma carne para desarrumar o lugar. e, se alguém dizia : esta é uma estação por começar – havia o perdão efabulado do crime e toda a devastação era funda.

agora fecho o espaço à idade. procuro as pétalas impressas na convulsão do desespero que não cheguei a cometer. espero ainda morrer apoderada de uma força contaminada pelas palavras. como se o esquecimento me trouxesse a ferida que perdi e o chão embriagado pudesse sustentar uma voz aflita de tanta doçura.

no fim, sobra-me ainda o nome: este vertiginoso clarão encostado aos meus lábios como um cadáver. a doença estancada que se espalha no silêncio acordado de quem já não sente

às vezes as coisas desatam a morrer-nos por dentro do peito

we become these dying hours



Blaudzun - Heavy Flowers



contei-te um dia [: como se me lembrasse para sempre agora] da canção que respirava o meu cabelo. havia os braços nascidos de um peso e as manhãs assombradas do sangue. e o chão entreaberto era o abismo dos dentes em flor

comia palavras nocturnas por dentro do desejo vocal da paisagem. não voltavas [: mais] à carne e eu era o casulo exacerbado do coração : a respiração amarga encostada ao sal inocente do lugar

: assim como a ferida territorial que carrega a claridade também os meus dedos apodrecem todo o amor

tu dizias: o sono respira a pontuação de um poema inacabado

: e eu contorcia primaveras cegando estrelas por dentro dos caules



The Mountain Apple Epidemic - No Reason No Excuse

se ao longe um cometa perde o murmúrio do seu brilho na desarrumação da minha garganta



Northern Cree - Confessions (I don't know why)


é como se estivesses [: aqui ] despenhado na minha boca a contar-me histórias : de como nascem as palavras. aquelas que eu respiro e que tu nunca [me] disseste. ainda sem pretérito nome ou lugar onde fincar

quantas vezes nos propomos ser todos os outros? :indiferentes ao bater do nosso coração
quantas vezes falhamos? :por cairmos dentro da distância que quisemos corromper





Woven Hand .-. Your Russia

: do it again

todos os desastres apresentam os sintomas do espaço que me observa
um corpo [ : talvez] coberto de doçura e uma artéria a florir por dentro. nenhum outro olhar. só. e o vazio declinado sabe movimentar o início das coisas [: há-de acontecer: a tua luz vermelha coberta de jasmim a confessar a superfície dos dedos à nudez]

[: tu sabes] às vezes, deitas-te a estudar a poeiras das estrelas para carregares o silêncio do coração. depois, inauguras o sono que te dói e trabalhas o sol como uma veia negra.



T.O.Y.S. .-. Love Hurts

everytime you get these words wrong i just smile



Destroyer .-. Leave Me Alone (New Order cover)

temo: como um acordar que sofre de tempestade

é do pavor do silêncio a minha sombra. agora os fins adormecem no arquipélago imaginário do peito. respiro [ : e : um lugar que fala do medo invade a língua asfixiando toda a claridade por chegar]

quando alguém nos oferece a luz o mundo muda. porque a flor nunca é triste quando permanece no escuro




Moses Luster and the Hollywood Lights .-. The Shadows Of My Life

aqui [ : ou o espaço nascendo na poeira sono]



Soap&Skin .-. Boat Turns Toward The Port

i dream

sabes? às vezes entro pelo céu adentro afogando os medos nos coágulos imóveis dos cometas e fico assim : quieta [: a gravitar na largura do peito exposto ao abandono da luz] e vejo ao longe o fogo inclinado sobre os ombros incitados das manhãs e as luas redondas que escondem o brilho das flores em vigília

: sonho

e a minha língua estremece sobre o teu nome aceso e há uma febre a sobejar do incêndio forjando a fome inventada dos teus dedos e os teus dedos são pétalas a crescer na minha carne abrindo convulsivamente o firmamento dos corpos na grafia do toque [diz-me? estás aqui? és tu a pele que me cose aos ossos? esta metamorfose inextinguível que corrompe a morte do meu coração?]

em ti a noite é uma camélia incandescente empunhando o sangue de uma nova estação

um dia não acordo [: mais]



foram precisos trezentos e vinte cinco dias para deitar à terra o teu nome

percebo [: então ] que não basta o acto silencioso da língua calando o interior da raiz

: é por dentro do fôlego que arde a fome que propaga o sangue [: o meu sangue: ou a primavera rubra que alaga a minha boca]


...

um dia também eu fui barco

somos deixados ao acaso na margem de uma boca manchada
cercando os dentes o frio da solidão estrangula a palavra ferida [há um grito e uma espiga negra que avança, explodindo o vermelho do céu]

: agora só o nome permanece naufrágio